Opiniões...
UM NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO
João Malaca Casteleiro
Professor catedrático da Faculdade de Letras de Lisboa
Linguista
A questão ortográfica da língua portuguesa arrasta -se há quase
meio século. De facto, em 1911, com o advento da República, Portugal promoveu
uma grande reforma ortográfica da língua. Infelizmente, fê-lo à revelia do
Brasil, que era então o outro grande país de língua portuguesa. Ora, implantar
uma reforma ortográfica constitui um acto de soberania, o qual não pode ser
imposto a outro país. Mas era o que Portugal pretendia, ou seja, que o Brasil
adoptasse a ortografia portuguesa de 1911, o que não aconteceu. O pecado
original dessa "guerra" ortográfica reside no facto de aquela reforma
não ter sido previamente acordada com o Brasil, como o exigia a defesa e
promoção da língua portuguesa no mundo.
Houve depois várias tentativas de unificação da ortografia do
português ao longo do século XX, desenvolvidas sobretudo pela Academia das
Ciências de Lisboa em conjunto com a Academia Brasileira de Letras. Em 1945 as
duas academias chegaram a acordo, numa reunião em Lisboa. Desse
encontro surgiu a chamada Convenção Ortográfica Luso-Brasileira de 1945. Mas
aqui, mais uma vez a parte portuguesa cometeu um pecado capital. É que
conseguiu convencer a parte brasileira a adoptar os pontos de vista
portugueses, nos quais predominava a perspectiva etimológica.
Assim, os brasileiros, que há muito tinham suprimido, para maior
facilidade de alfabetização, as chamadas consoantes mudas ou não articuladas em
palavras como "acto", "directo", "óptimo", tinham
de voltar a introduzi-las na escrita. Ora isso constituía uma violência, que o
Brasil não aceitou. Imagine-se como reagiriam os portugueses se agora os
obrigassem a reescrever "fructo" ou "victória", com
consoantes que há muito foram suprimidas! A lição que colhemos, quer de 1911,
quer de 1945, é que Portugal, embora seja o berço da língua portuguesa, não é
no mundo de hoje o seu único proprietário.
A verdade é que, tendo falhado as duas unificações plenas
tentadas em 1945 e 1986, mandava o bom senso que se procurasse uma unificação
possível, menos absoluta, mas mesmo assim suficiente, para abranger cerca de
98% do léxico da língua, e necessária, para evitar que a deriva ortográfica,
com oito países lusófonos, se venha a acentuar.
Outra crítica que advém de certos intelectuais portugueses mais
conservadores põe em causa a necessidade sequer de qualquer acordo ortográfico.
Sustentam que a língua há-de evoluir nos diferentes países lusófonos e dar
origem a outras línguas. Esquecem-se, no entanto, que hoje vivemos num mundo
diferente do que existia no tempo, por exemplo, da difusão do latim pela
România. Nesse tempo a escolarização era apenas para elites reduzidas, não
havia meios de comunicação de massas, como a rádio, a televisão, os jornais.
Ora, estes meios exercem hoje sobre a língua uma força centrípeta que leva à
preservação da unidade essencial do idioma. Por outro lado, as instituições
culturais e políticas dos países lusófonos têm todo o interesse em preservar a
língua comum como elo de ligação entre todos e factor indiscutível da sua
afirmação no mundo.
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O texto abaixo é da autoria de Pedra Filosofal e de Godi, residentes,
respectivamente, em Portugal e no Brasil. Amigos, separados por um oceano,
ainda assim partilham das mesmas opiniões acerca dum acordo que tem feito
correr bastante tinta em ambos os países.
É nossa firme convicção que não faz sentido algum quererem uniformizar a
linguagem. Temos expressões diferentes, nascidas da forma de estar, de
histórias diferentes nos dois países.
Diferentes circunstâncias marcaram a variação do Português brasileiro e do
Português europeu. O Português Europeu, pelo facto de as fronteiras de Portugal
serem as mais antigas da Europa, contrariou uma variação mais profunda por
fatores exógenos exteriores, a qual foi sobrelevada por ação de fatores
internos a própria língua, sendo, por isso, considerado como uma língua quase
perfeita, pois manteve-se ocupando uma área estável desde a delimitação das
fronteiras lingüísticas e propriamente portuguesas desde o séc. XIII. Somente
em raros pontos que a fronteira política não coincide com a fronteira linguística.
Em Portugal o esclavagismo quase que não existiu e a imigração só há pouco
tempo é uma realidade. Não teve, por isso, muitas influências externas para a
evolução da língua. O português europeu evoluiu “sozinho”.
Já no Brasil o português foi determinado por fatores multifacetados e, por isso
mesmo, houve uma diferenciação natural. O português brasileiro teve um contato
significativo de fatores exógenos: Com línguas indígenas, com línguas africanas
e com línguas de imigrantes de diversas partes do mundo. No Brasil a
escravatura foi uma (triste) realidade. E por mais que os senhores quisessem
evitar, alguma coisa foi ficando da rica linguagem dos escravos, em forma de
substrato linguistico (herança lexical e morfossintática no português
brasileiro). Acresce ainda que o Brasil foi colonizado por tantos emigrantes
que é quase impossível saber qual a língua que teve mais influência (para além
do português).
A língua portuguesa do Brasil, variante nacional do Português europeu (de
Portugal) tomou um rumo simplesmente 'diferente' com perdas casuais de funções
latinas, com influência de línguas indígenas e africanas, ou seja, a comunidade
brasileira que é maior que a portuguesa por ser maior mesmo já é um fator de
diferenciação.
Uma das razões do acordo é que a ortografia seja uniforme. Mas se ortografia
fosse impedimento, Miguel Sousa Tavares e José Saramago não seriam tão bem
vendidos no Brasil como, de fato, o são. Sabe-se que os dois autores preferem
que a obra seja divulgada com a ortografia do português europeu (Portugal). Em
Portugal passa-se o mesmo com Jorge Amado e Paulo Coelho que editam em
português brasileiro.
A língua está viva e muda de acordo com a utilização que dela se faz, não
porque alguém, em algum momento, assim o decidiu na "marra". Ao longo
dos anos a língua portuguesa, quer em Portugal, quer no Brasil, quer noutros
países de língua oficial portuguesa, tem alterado por força do convívio natural
entre as pessoas. Cremos que um dia, sem legislação, o português será ainda
mais semelhante, mas apenas e só por força das circunstâncias. E que
circunstâncias? É simples, há, cada vez mais, brasileiros a trabalhar em
Portugal e portugueses a passar férias no Brasil. A globalização, o avanço das
telecomunicações e mídia (média) serão também factores determinantes na
aproximação da língua falada e, posteriormente, da língua escrita.
Todas as decisões onde se modifica o código escrito são sempre controversas e
causam traumas. Legislar em cima da língua é algo que, normalmente, não
funciona, por haver diferentes formações neológicas de palavras a cada uma das
variantes que constituem a lingua portuguesa.
No Brasil, incrivelmente a lingua portuguesa é bastante uniforme na sua
variação diatópica (variação regional) no que condiz a nomeação de conceitos
novos (formação de palavras novas e designações). Existe o entendimento
recíproco, apesar de haver diferenças sempre de acordo com os diversos
critérios sócio-históricos que levaram a tal.
A influência norte-americana é muito grande no Brasil. Em Portugal também se
nota, nos últimos anos, um acréscimo nos estrangeirismos, introduzidos pelas
novas tecnologias. Consideramos, no entanto, estes empréstimos
linguísticos-estrangeirismos como normais, pois que estes atingem apenas o
léxico, não havendo hipóteses para a desestruturação da língua em si.
As línguas sempre criam termos novos, os chamados neologismos. Esses termos,
vindos sempre dos acervos latinos e/ou de empréstimos, nominam novos termos.
Então, quanto muito, deveria-se ter uma comissão conjunta entre os dois paises
para verter uniformemente os termos em estrangeiro, comumente trazidos pela
tecnologia. Por exemplo, uma arca frigorífica em Portugal, é freezer no Brasil.
No entanto essa uniformização seria gradual e apenas para termos técnicos. A
uniformização de expressões seria quase impossível. A título de exemplo, no
Brasil “veado” é homossexual quando em Portugal é um animal que podemos ver no
Zoo. “Galinha” em Portugal é uma mulher tagarela. No Brasil é uma prostituta. E
o mesmo problema se põe a nível regional. Por exemplo “batata”
em Portugal Continental
é uma batata, na Ilha da Madeira são “semilhas”. No Porto bebe-se um cimbalino,
em Lisboa um café.
Qual é o acordo que pode levar a que deixem de acontecer estas diferentes
interpretações da mesma frase?
A riqueza da língua portuguesa, seja ela brasileira ou europeia, está na
diversidade, a unanimidade é tola e estranha.Acordo Ortográfico – duas
nacionalidades, uma opinião
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por Luís Menezes Leitão | 03.02.12 |
Neste país onde tanta gente abdica das suas convicções, apenas
por razões de interesse ou porque o respeitinho é muito bonito, louva-se
esta
atitude de Vasco Graça Moura. Quando se nomeia alguém com o seu
prestígio para um cargo público espera-se que continue a defender aquilo em que
acredita e não que se limite a acatar directivas exteriores, por mais
disparatadas que elas sejam. O acordo ortográfico é o disparate do século e o
facto de estar a ser imposto aos portugueses desta forma demonstra bem a falta
de espinha que nos caracteriza como povo. Fico perplexo quando leio no Diário
da República palavras como "adoção" que me lembra mais
"adoçante" do que "adoptante". Querer abolir consoantes
mudas, em certos casos quando nem os brasileiros as suprimiram, implica tornar
a ortografia do português europeu mais brasileira do que o próprio Brasil. E já
se percebeu que em África ninguém vai seguir esta medida, caindo Portugal no
puro ridículo de ficar como uma ortografia que ninguém compreende e mais nenhum
país lusófono adopta.
Infelizmente, no entanto, há Torquemadas que querem impor o
acordo à força, mesmo que ninguém o deseje. Por isso, como as
"réguadas" nas mãos de antigamente já não estão na moda, agora
existem as ferramentas informáticas que conseguem o prodígio de nos obrigarem a
escrever da maneira que não queremos. Vasco Graça Moura tomou a atitude
correcta de mandar desligar essas ferramentas informáticas que violam a
liberdade de escrita dos seus colaboradores. Mas aparecem logo pessoas com uma
enorme concepção da liberdade como António José Seguro a dizer que
Vasco Graça
Moura não está acima da lei. Claro que não. A lei portuguesa obriga os
funcionários do CCB a escrever segundo o acordo e ainda os obriga a ter nos
seus computadores ferramentas informáticas para não os deixar escrever de outra
maneira. Já agora: não quererá António José Seguro mandar aplicar também essas
ferramentas informáticas na Casa dos Bicos para garantir que os textos de
Saramago passam a ter a pontuação tradicional em vez das vírgulas que tão
abundamente utilizava? Afinal de contas, a lei tem que ser igual para todos. E
não aplicar o acordo ortográfico é seguramente um crime de lesa-majestade.
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O que pensam os
portugueses sobre o Acordo Ortográfico
As opiniões dividem-se quanto às novas alterações previstas para
a língua portuguesa
Uns contra, outros a favor, as dúvidas persistem quanto às
alterações previstas para a grafia da língua portuguesa, com a aprovação do
Novo Acordo Ortográfico. Os portugueses dividem-se nas opiniões acerca da
possível mudança de algumas palavras portuguesas.
Foi entregue, no Parlamento, uma petição contra o Acordo Ortográfico,
encontrando-se esta quarta-feira em debate algumas das alterações previstas.
Entre os vários subscritores deste abaixo-assinado, constam Vasco Graça Moura,
António Lobo Xavier, José Pacheco Pereira, Eduardo Lourenço, entre outros.
As alterações nas palavras tão usadas pelos portugueses ainda provocam dúvidas
e alguns dissabores. Tão habituados a falarem a sua língua sempre da mesma
maneira, dizem que já não se encontram capazes de aprender a falar e a escrever
de uma maneira diferente.
«Vai ser difícil escrever com o novo acordo», disse Otília Mendes ao tvi24.pt,
uma doméstica que considera que, com o novo Acordo Ortográfico, a língua «vai
ficar um pouco abrasileirada».
Carlos Santos, bancário reformado e licenciado em Direito, concorda com a
posição tomada por Vasco Graça Moura, na entrega da petição contra o novo
Acordo Ortográfico.
«Vai criar muitos problemas», disse o ex-bancário ao tvi24.pt. Na sua opinião,
«os estudantes de uma forma geral dão muitos erros», temendo que «esse problema
se agrave».
As alterações na língua portuguesa são reprovadas segundo vários pontos de
vista. Teresa Castelão, professora universitária, garante que a aprendizagem vai
ser mais difícil, no que toca, por exemplo, ao facto de ler sem acentos. «Não
devia haver Acordo Ortográfico nenhum, devíamos manter a língua portuguesa tal
como ela está», afirmou.
A língua portuguesa «deve manter a essência do continente», defendeu a
professora universitária.
Também alguns estudantes partilham desta opinião, considerando que «não devemos
alterar a gramática (...) é a nossa língua», disse uma estudante universitária
ao tvi24.pt.
No entanto, nem todos têm uma posição negativa quanto ao Novo Acordo
Ortográfico. Também reformado, João concorda com o Acordo: «Acho que vem
engrandecer a língua portuguesa.»
Não à sua aplicação, pois a língua portuguesa perde a sua essência. Sim à sua
aplicação, numa tentativa de uniformizar a língua em relação a outros países,
como por exemplo alguns estados-membros da CPLP, onde já está em vigor o Novo
acordo Ortográfico.
Recolha de textos feita por Mª Jesus Ramos Santos